Pilot

Você só precisa de uma direção.

quarta-feira, setembro 26, 2007

O porteiro sabe tudo

Estas são anotações que fiz durante o período da minha vida no qual trabalhei humildemente como porteiro, telefonista e segurança noturno de um belo e nobre edifício (não direi onde fica exatamente por motivos óbvios).

Lá, além das atividades comuns e cotidianas da profissão tive a oportunidade curiosa, natural dos que sabem administrar bem o tempo, de observar de maneira discreta e hábil os mais variados tipos de moradores.

Isso acontecia devido ao excesso de atenção exigido resultado da pressão invisível, mas também pelo ócio criativo gerado pelos momentos de tédio em contrapartida. Tentei de tudo, paciência, jogos de se jogar sozinho, basicamente. Cheguei a levar xadrez, mas inevitavelmente, quando cochilava, despertava derrotado.

Jornais que chegavam diariamente, correspondências, rádio, TV, novela das oito, futebolzinho, câmeras de vigilância. Nada satisfazia a minha curiosidade latente, uma certa vontade de mudar aquela situação submissa imposta pela condição de empregado mal remunerado.

Foi numa dessas ocasiões, após uma breve, mas não menos profunda crise existencial, que resolvi começar a filosofar acerca das motivações sexuais do ser humano, dizendo pra mim mesmo, que as razões que levam à traição são muito mais de natureza possessiva, de vontade de poder versus submissão e regulação da auto-estima do que de tesão e necessidade fisiológica propriamente dita.

Talvez, reconheço de antemão, eu só diga isso por não ter uma vida sexual ativa há tempos. É uma hipótese que me condena, mas acredito que meus olhos, apesar de cansados não me enganem e exista algo por trás dos sorrisos cordiais e gentilezas monetárias congruentes.

quarta-feira, julho 18, 2007

Amor a prazo

Ao mesmo tempo, existe o prazer de curtir o que a gente divide com a outra pessoa, as coisas materiais, físicas, os sabores, a eterna discussão acerca dos gostos. Quando deixamos alguém chegar perto, nos tocar, nos conhecer com seus modos numa espécie de realidade quase agressiva ao conforto de nossa certeza ingênua, parece fazer sentido amar, se entregar, repartir.

Daí, não fica mais em evidência o motivo, a possível segunda intenção, mas sim a pureza da vontade, o desejo da união platonicamente real. Os objetos passam a lembrar o outro de forma carinhosa, representando a falta e o bem que aquela presença faz.

O amor é tão idealizado, escondido e impossível porque na verdade a gente não quer que ele aconteça. Tem medo do que não tem mais saída, do compromisso de construir algo com a outra pessoa, de tomar uma decisão. É bem mais simples do que se imagina.

A vida é um drama, cheia de papéis variados. Os confiantes, os deprimidos, os artistas, os céticos. Essa distância entre o que pensamos e fazemos é que nos diferencia. A beleza está nos defeitos. E a felicidade é uma grande amiga da percepção.

terça-feira, julho 17, 2007

Amor à vista

Sempre que o amor apareceu na minha vida tentei, por insegurança, racionalizar, tratar de modo lógico, como se fosse um caminho, um mapa que levasse novamente aquela sensação quando eu quisesse. Claro, que a idéia de brincar de divindade não deu muito certo. O amor é o momento. Não tem o mesmo gosto reproduzido, reatado, “vamos tentar mais uma vez, tudo será diferente”.

Para manter as coisas como eram antes alguns usam pequenos recados materiais, presentes (muitos passam a vida nessa fase). Os traídos consideram uma justificativa de ausência ou prova de existência do Outro. Os mais ingênuos encaram como o ingrediente que faltava, a surpresa. As opiniões variam de acordo com os personagens e as tramas.

Uns fazem terapia. Outros escrevem músicas ou textos como este para superar algo que foge ao nosso controle. Deve ser por isso que o companheiro moderno foi durante muito tempo o televisor.

sexta-feira, abril 13, 2007

Síndrome Cromaqui

Acontece quando a gente não quer controlar tudo como sempre e deixa as coisas rolarem de modo natural. Perde-se a noção do tempo, espaço, razão de ser e estar. É um momento eterno com aquela parede azul estúdio de fundo onde não importa muito a forma e o conteúdo brota direto do Id, um recheio de prazer tentador, sem neurose, culpa ou trauma. O material reprimido encontra o amor de sua vida. Os nãos impulsivos inconscientes viram claros. O que antes parecia impossível salta aos olhos, lambe os ouvidos. As frases passam soltas pela razão, frequentemente moralista. Gritos sinceros ecoam das profundezas cheirosas da alma. Toda a beleza do mundo personificada. A atitude quente dos lábios famintos de desejo, o gosto simples do beijo afaga o império dos sentidos. Faz sentido todo o movimento, pois a ternura pega o microfone, não está mais intimidada, quer cantar, dizer o que sempre quis e o que nunca soube a hora certa. Não tem mais desculpa esfarrapada, boicote ou desistência. Chegou a encomenda. Divirta-se. Sempre.

quinta-feira, março 15, 2007

Tudo a seu tempo

Numa espécie de relação que Sansão tinha com o cabelo, um amuleto de sua virilidade e força, João controlava sua noção de tempo pela necessidade de, de quando em quando, cortar as unhas. Esta sempre foi uma curiosidade e tanto, não só pra ele diga-se de passagem. Afinal, de onde vieram e para que servem as pontas firmes dos dedos?

Só que, ao contrário do grande herói cabeludo, João fazia questão de se ver livre o quanto antes do que para ele era sinal de desleixo e pouca higiene. Por isso, que a cada quinzena e a cada mês ele fazia as unhas das mãos e dos pés, respectivamente.

Dava gosto de ver o João depois da lida. Era um novo homem. Isso porque para ele este hábito grotesco rotineiro tinha um significado muito além da estética. Podar aquelas cascas era renascer, se purificar. Como um banho frio de cachoeira, se ele morasse perto de uma.

João via o tempo assim. Quando percebia que as unhas estavam crescidas, as cortava, arrumava as malas (violão e roupa do corpo) e pegava a estrada.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Como transformar neurose em energia positiva

Não sei ao certo o que escrever ainda, mas pela primeira vez estou tranqüilo em relação a isso. Pilot, ao contrário de Hero [www.heroisdead.blogspot.com], é o meu alterego otimista. Aqui é que mora o problema. Como ser otimista sem soar auto-ajuda. Mais que isso. Como expressar um lado que em mim ainda é novidade. A natureza pessimista/realista tomou conta de meus sentimentos há no mínimo 26 anos. Me lembro pouca coisa da infância, mas desde lá o peso das imperfeições da vida esteve sempre presente em meus pensamentos.

Esta nova postura é uma reação positiva à neurose. Saber que sou o resultado inteligente e pró-ativo dos meus erros me torna mais forte, validando a minha experiência até aqui. Sou uma soma de decisões bem sucedidas e só a ansiedade de querer abreviar o tempo das coisas me afastava de tais conclusões. Me faltava uma direção.